domingo, 20 de setembro de 2009

Memorial de Leitura
( Manoel Avelino Em Busca da Leitura Perdida)


O primeiro contato com a narrativa ficcional não se deu pelo texto escrito, talvez eu nem soubesse que aquelas histórias pudessem ser aprisionadas pela escrita, lembro-me que meu pai recebia contadores de histórias, viajantes, eles contavam causos, anedotas e cantavam repentes, movidos pela tradição oral. A chagada destes poetas mobilizava a vizinhança e o terraço de nossa casa se tornava um grande palco.
Outro momento de significativa lembrança poética e fabular era a contação de histórias pela Fátima, uma mulher que preparava os nossos alimentos para o corpo e para a alma. Ela se perpetuou nas minhas lembranças através das narrativas fantásticas contadas. Nossa antiga ajudante gostava de contar histórias de assombração, nos dava a impressão de sentir prazer em ver a nossa aflição catártica.
Também me provocou enorme prazer, as histórias contadas por Lucas, um amigo de infância que tinha a habilidade de contar historias e aprisionar a nossa atenção em suas tramas, desconfio que ele reproduzia as histórias contadas pelo seu pai.
Cheguei à escola aos oito anos com está tradição oral, mas sem ter acesso ao texto escrito, eis o principal motivo de minha alfabetização tardia, a escola representou para mim um ambiente bastante hostil, uma verdadeira tortura, chorava por tudo, principalmente, com as provocações, brincadeiras dos colegas, acredito que a minha socialização ocorreu as duras penas e não me lembro de experiências significativas com livros neste período, o único livro que vem a memória é uma cartilha de alfabetização que tinha o nome Davi, eu tinha um colega com este nome.
No Ensino Fundamental II fui apresentado a Biblioteca Pública José Pacheco Dantas, fiz a carteirinha de sócio, este pertencimento representou, para mim, um grande avanço no letramento literário, lá comecei a ler, lembro-me que a bibliotecária não permitia a retirada, empréstimo de algumas obras não apropriadas, segundo ela, a minha idade. Lia principalmente os clássicos: O Quinze (Raquel de Queiroz) foi lido pelos olhos imaturos e inocentes, só algum tempo depois da leitura, fiz a relação do título a grande seca de 1915.
No Ensino Médio, avancei nas leituras de obras da nossa literatura, confesso que algumas obras foram lidas com sacrifício, tais como: Helena (Machado de Assis) e Lucíola (José de Alencar). Outras provocaram experiências prazerosas, como as últimas produções de Machado, mas, as que me divertiam de forma visceral, me excitavam literalmente, eram as produções naturalistas: A carne (Julio Ribeiro) e O Cortiço (Aluizio Azevedo). Neste período, li alguns livros de autores estrangeiros modernos, como “Agatha Cristie” e “Sidney Sheldon”, A Herdeira foi uma experiência de leitura bastante fluida e prazerosa.
Esta experiência de leitura, este gosto pela leitura literária me motivou a fazer vestibular para o Curso de Letras (Português), confesso que tentei no primeiro vestibular o curso de Direito, na quinta tentativa entrei no curso de letras, não me arrependi, adorava as aulas de Teoria Literária e Literatura, na Universidade, li como nunca tinha lido, foi uma avalanche de leituras, de descobertas, percebi o quanto as minhas leituras eram inocentes, reli algumas obras e parecia que estava lendo pela primeira vez, que nunca tinha lido, isso me assustava e encantava. Como fiz a habilitação Português\Francês, fui apresentado a alguns autores da Literatura Francesa, e os que mais me marcaram foram “Moliere” e “Guy Montpassey”, a prosa me atingia mais facilmente, a poesia nem tanto.
No curso de Letras, como eu trabalhava e estudava, lia só o que os professores pediam, isto quando eu conseguia, a nossa bussola de leitura era os professores e eles deixaram grandes nomes de fora da academia, os professores só trabalhavam com aqueles autores que eles tinham feito o mestrado ou doutorado, sinto falta de nunca ter feito um curso sobre Cecília Meireles, dentre outros não trabalhados. Esta fragilidade da graduação foi atenuada pela Especialização em Literatura Brasileira do século XX , foi o momento mais rico de minha formação literária, este curso nos apresentou alguns autores contemporâneos, tais como: Manuel de Barros, Paulo Leminski, etc. As discussões e os trabalhos apresentados, em sala, pelos colegas eram um show a parte, pertenciam a nossa turma dois poetas e grandes almas leitoras.
Não posso deixar de citar, neste memorial de leitura a experiência de ter sido aluno especial do Mestrado em Literatura Comparada por dois anos, cursei quatro disciplinas, que me renderam grande prazer em ter sido apresentado a Marcel Proust ( Em Busca do Tempo Perdido), Camões ( Os Lusíadas ) , Graciliano Ramos e José Lins do Rego.
Nos dias atuais, confesso que mais pareço um trabalhador braçal, no sentido de ausência de experiências mais significativas com a leitura, as leituras são contingenciais, ou seja, atendem as demandas do trabalho, como as obras recomendadas pela Comperve\UFRN para o vestibular e outras obras selecionadas, por mim, para serem trabalhadas em sala de aula.

Um comentário:

  1. Olá Avelino,
    Gostei muito de ler o seu memorial, apresenta uma certa poesia que nós nem temos vontade de para de ler.

    Parabéns pelo excelente memorial. Elisiane Carvalho

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